terça-feira, 3 de março de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (5)


5) COMO ERA A REDAÇÃO DE "O PAPAGAIO"


Contei no artigo anterior como se criou e funcionava uma tertúlia na redação de "O Mosquito", aos fins de tarde. Terminei assim a descrição do que assisti nos anos em que trabalhei nesse jornal, que para mim foram anos de ouro. Sob o aspeto cultural, claro.
Quando aos 14 anos acompanhado pelo meu pai me desloquei ao jornal "O Papagaio" a mostrar os meus desenhos, fui recebido pela chefe de redação Helena Arroyo que gostou deles e pediu uma história para o número de Natal que estava próximo. Sugeri fazer o desenho de um «Presépio» que ela logo destinou para as páginas centrais. Corria o ano de 1944.

Eram desenhos incipientes, os que fazia, já nessa altura tinha a nítida noção disso, mas para melhorar o traço era importante ver o trabalho publicado, só assim podendo observar as alterações surgidas depois de ser reproduzido e de ter passado pela «calandra mecânica». O processo gráfico era muito diferente do que se nos apresenta hoje, com o digital.
Não havia ainda a fotocópia para nos mostrar o efeito da redução. Utilizava uma lente de uns óculos antigos de meu pai que era míope. Posta em posição entre o original e o meu campo de visão conseguia ver a imagem mais pequena. Ajudava mas era insuficiente, pois além da redução, havia no acto da impressão o engrossar do traço, o que obrigava a evitar fazer muitos pormenores que depois se transformariam em pequenos borrões.
Isto passou-se três anos antes de ingressar na equipa de "O Mosquito".
Fiquei colaborador efetivo e passei a frequentar uma ou duas vezes por semana a redação, que estava instalada numa das salas da Rádio Renascença, na Rua Capelo, perto de onde se encontrava a Biblioteca Nacional. Era sempre pelo fim da tarde, altura em que a Helena Arroyo exercia ali o seu trabalho, pois tinha outras ocupações, creio que de professora.
A primeira novela que escrevi para "O Papagaio", com ilustração, e que durou vários números. A capa junta anunciava outra novela de minha autoria, «O Assalto ao Correio».

A sala da redação era ampla, com grandes janelas que deitavam para a Rua Ivens. Cheirava a alcatifas e à madeira dos móveis, nada parecido com o odor adocicado das tintas de impressão da redação de "O Mosquito" que tinha em fundo o som cadenciado da máquina a imprimir, das oito horas até à meia-noite.
O Méco, pai do grande artista Zé Manel, também colaborava com os seus deliciosos desenhos. Pertencia à equipa de "O Século Ilustrado" dirigida pelo Mestre João Rodrigues Alves com quem eu tinha aulas na Escola António Arroio.
Era quase sempre pelo telefone que lhe indicavam os pormenores das ilustrações que precisavam. Depois, quando se dirigia para «O Século» passava de raspão pel’O Papagaio para entregar o material. Era raro encontrarmo-nos na redação, só por coincidência, mas com frequência eu visitava a sala de desenho do "Século" para falar com o Mestre Alves e encetei aí uma boa amizade com o Méco, o Domingos Saraiva e o Baltazar.
Alguns colaboradores também enviavam para "O Papagaio" o material pelo correio, por morarem fora de Lisboa.
Neste jornal cada um combinava fazer a história que lhe apetecia e gostava mais.
No jornal mostraram como se fazia "O Papagaio", só com fotos da oficina tipográfica faltando as da litografia, descrevendo apenas essa parte, como se mostra no texto ampliado para se poder ler melhor.

As capas e contracapas em conjunto com as páginas centrais eram impressas na «Litografia Salles» mas o interior era impresso pelo processo tipográfico nas oficinas da União Gráfica que pertencia ao mesmo grupo editorial, incluindo a Rádio Renascença.
O interior do jornal era preenchido com contos, novelas e pequenas secções sempre ilustradas.
Criaram entretanto um «Concurso dos Cognomes dos Reis de Portugal» e confiaram-me a tarefa de fazer as ilustrações.

Este concurso durou muitos meses. Fui-me «desengomando» conforme as possibilidades e os fracos conhecimentos que tinha.
Pouco tempo depois a Helena Arroyo saiu e o Carlos Cascais, que tinha dirigido a extinta revista «Faísca», foi preencher o seu lugar.
Durante todo o tempo da minha colaboração n’O Papagaio nunca vi o diretor que também não interferia na sua orientação. Era apenas o responsável perante a «censura» que exigia como garante, uma pessoa reconhecidamente idónea e diplomada. Quem punha e dispunha era o chefe de redação.
Ao sabor da nossa imaginação e seguindo as tendências da época, fazíamos histórias de piratas e corsários, polícias e ladrões e aventuras no Oeste americano, com lutas contra os índios, sem que alguma vez nos interpelassem nem «aconselhassem» a escolher outro tema. O ambiente na redação era agradável e simpático, numa constante troca de opiniões e sugestões.

(Continua)

No próximo artigo: NOVOS COLABORADORES 

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