segunda-feira, 18 de maio de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (7)


7) ALTERAÇÕES NA REDAÇÃO

No artigo anterior dei nota do ambiente na redação d’O Papagaio, das regras e da liberdade que tínhamos quanto aos temas a abordar. Hoje considero termos também influído nas modificações que se deram.
Em dada altura o Roussado Pinto fez a sua aparição na redação d’O Papagaio, como colaborador. Começou a escrever contos que acompanhava com desenhos do Vítor Péon, feitos para um projeto falhado de outro jornal depois que o «Pluto» acabou, e trazendo material de autores ingleses e espanhóis. Foi acentuando a sua influência considerando-se um ajudante do Carlos Cascais.
O aspeto do jornal modificou-se então.
A nova colaboração trazida para o jornal pelo Roussado Pinto.
Eram de origem inglesa, espanhola e portuguesa, do Vítor Péon.
O volume da colaboração prestada pelo Roussado Pinto era notório. Em algumas histórias assinava mesmo o seu nome mas usava pseudónimos para não dar o aspeto de monopólio. Um deles era «Luís António», como se pode ver na página com a história «Uma Boa Ratoeira».

Na tabela de preços entre as páginas com histórias ilustradas e as ilustrações soltas havia um desequilíbrio considerável.
As páginas em Quadrinhos eram pagas a 20 escudos e as ilustrações do interior a 7 escudos e cinquenta centavos. Como uma página de narrativa gráfica continha vários desenhos, seis, oito, se fosse paga como as ilustrações soltas valeria 45 escudos.
Então começámos a reduzir o número de vinhetas fazendo quatro por página, como compensação.
Entretanto no início de 1948 o Roussado Pinto decidiu fazer o argumento de uma História em Quadrinhos para eu ilustrar. Fiquei satisfeito, mesmo tendo que dividir o valor a receber, pois ia trabalhar numa história melhor concebida. Foi o primeiro argumentista que tive, pois os enredos eram e têm sido sempre de minha autoria, com poucas exceções. Chamou-lhe «Os Cavaleiros do Vale Negro».
Mas o Roussado Pinto estipulou que faríamos essa história com seis vinhetas, para conseguirmos uma sequência mais dinâmica em cada episódio. Tinha toda a razão. Dividimos os 20 escudos, 15 para o desenho e 5 para o texto. A partilha entre o argumentista e o desenhador foi sempre nesta proporção, salvo em casos especiais e sempre de comum acordo.
Mas passámos a ter muito pouco avanço, ele fornecia-me o argumento duas semanas antes da publicação, o que me obrigava a um ritmo acelerado, para não falhar a entrega.
Nessa altura já trabalhava n’O Mosquito, continuava a estudar na Escola António Arroio e esta colaboração tinha de ser feita em serões.
A história ia-se desenrolando com o tempero que o autor do texto sempre aplicou em doses certas nos seus argumentos, contos e novelas.
Mas a sua relação com o Carlos Cascais começou a não ser pacífica. O Roussado Pinto punha e dispunha sem o consultar, alterava histórias que estavam programadas e chegou a contactar a administração com uma proposta de que não cheguei a saber o conteúdo, mas que desagradou ao Carlos Cascais, por ter sido nas suas costas. Brigaram e o Cascais impôs a sua posição de chefe de redação.
Intuí, por frases soltas, que teria feito uma tentativa no sentido de substituir o Carlos Cascais.
O Roussado Pinto voltou as costas e afastou-se. Deixou «Os Cavaleiros do Vale Negro» órfãos de argumentista, e voltando-se para mim, disse que continuasse a história, pois tinha boas condições para isso.
Sem saber o que ele imaginara para o seguimento da aventura, pois as sequências eram improvisadas à última da hora, fui dando rumo aos acontecimentos. Mas caí na tentação errada de voltar às quatro vinhetas por página.
O Vítor Silva criava secções com curiosidades, bem desenhadas, e realmente a estrutura do jornal estava muito diferente do que há quatro anos atrás.
A administração d’O Papagaio certo dia reclamou na «Litografia Salles» que usando este jornal 4 cores, o seu aspeto gráfico não se comparava ao d’O Mosquito, só com 3 cores. O Salles, dono da gráfica e que conhecia o meu trabalho, contactou o Baptista Moreira, o transportador litógrafo de O Mosquito, para me convidar a ir litografar um número d’O Papagaio, para provar à administração do jornal que podiam fazer melhor. Uma parte do problema estava no orçamento muito à pele, que não dava para a oficina poder convidar um oficial profissional para esse trabalho, que era executado por aprendizes. Mas como a comparação tinha sido com O Mosquito, fez questão de ser o mesmo autor das cores a fazer esse trabalho.
Não sei se por coincidência, se o Carlos Cascais deu um jeito nisso, o número marcado para a experiência tinha na capa e nas centrais desenhos meus a ilustrar um conto também de minha autoria.
Pedi autorização ao Tiotónio, que me disse não ter o meu exclusivo e que estivesse à vontade. Na «Litografia Salles» não usavam aerógrafo e levei o d’O Mosquito emprestado.
Foi neste número 710 de O Papagaio que as cores foram litografadas por mim. Claro que a «Litografia Salles» depois apresentou uma proposta ao jornal, que para manter o aspeto gráfico obtido teriam de cobrar mais, e esse pormenor determinou que ficasse tudo como antes.
Mas no ano seguinte…
(Continua)

No próximo artigo: A NOVA REDAÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO DO JORNAL 

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